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Melhor Doar do que Consumir
por
Thanissaro Bhikkhu
Tanslation into Portuguese: (Info)
Mr. Danilo
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Entre as perguntas dos noviços, a mais interessante é aquela: O que define um ser? E a resposta é: Todos os seres subsistem através de alimento. Isso é o que nos define como seres: O fato de que precisamos de alimento para manter nossa existência. E para a maioria de nós, isso praticamente resume toda nossa vida. O que consumimos é a grande questão.

Anos atrás, havia uma série de TV, "Estilo de Vida de Ricos e Famosos", e eles não mostravam nenhuma pessoa rica ou famosa fazendo suas próprias tarefas ou exibindo coisas que eles tivessem produzido pessoalmente. Era tudo sobre o que eles tinham comprado, o que estavam consumindo. Nossa cultura é obcecada com consumo. Um dos meus desenhos nova iorquinos favoritos retrata um casal sentado em uma sala de estar, conversando com alguns amigos, e o marido está dizendo, "Claro, há altos e baixos, mas no geral, Margaret e eu achamos a experiência de consumo recompensadora. "

Essa é a atitude de muitos de nós com relação ao Dhamma. Nós somos habituados a consumir não apenas coisas mas também experiências. Há uma grande industria — a industria da experiência — onde eles criarão experiências para você comprar. Lembra que um tempo atrás anunciaram a “The Ford experience”? Não estavam te vendendo Fords; estavam te vendendo a experiência de ter um Ford. Guardas florestais falavam sobre manter a experiência Yosemite ou a experiência Zion para as pessoas chegarem e consumir. Então é compreensivo que quando as pessoas conhecem a meditação, elas pensam na experiência da meditação como algo que elas podem consumir também. Nós queremos a alegria; nós queremos o prazer, a sensação de liberdade da qual ouvimos que provém de mindfulness e concentração. Mas para consumir essas coisas, nós primeiro temos de produzi-las.

Essa é a razão pela qual, quando Buda inicia seus ensinamentos nos níveis mais básicos, ele começa com generosidade. É a primeira das perfeições, o primeiro de seus ensinamentos no discurso gradual, quando ele está conduzindo o interlocutor passo a passo até as quatro nobres verdades. Ele começa com generosidade e vai para virtude, as recompensas da virtude no céu, então as desvantagens dessas recompensas, e então finalmente o valor da renúncia. Uma vez que a mente pode ver que renúncia seria uma coisa boa, então está pronta para as quatro nobres verdades. De muitas maneiras, renúncia é uma continuação do princípio de generosidade. Você aprende que tem que doar ou abrir mão de algo para receber algo de maior valor em retorno. Assim, ao invés de nos encorajar à ir para a meditação como consumidores, Buda nos encoraja a ir como doadores. O que você irá doar para a prática?

Alguns dos famosos Ajaans na Tailândia falam sobre como a prática é inteiramente clara. Em outras palavras, começa com um princípio e as implicações do princípio são usadas por todo o caminho até o final. E esse princípio é doar. Isso é o que nos coloca além e acima do nível de seres que apenas consomem e se alimentam. Lembre-se, o arahant é alguém que não é mais definido por qualquer desejo e portanto não é mais definido como um ser. Por arahants terem entendido completamente o alimento, seus caminhos não podem ser traçados. Mesmo o fato deles consumirem alimento é, na verdade, um presente. Aqueles que doam à um arahant são muito bem retribuídos. Essa é a razão pela qual o arahant é o único que come da comida doada pelo camponês sem incorrer em débito.

Assim, o prática é de doar desde o começo. Muitas vezes encontramos discursos sobre dana sutilmente disfarçados para pedir dinheiro, que é a razão pela qual algumas pessoas sentem uma real aversão por esse tópico. Mas Buda tinha uma etiqueta em respeito à isso. Há uma história no cânone de alguns monges que estavam construindo cabanas. Eles começaram uma competição um com o outro sobre quem construiria a melhor cabana. Eles estavam constantemente pedindo por materiais e mão de obra, e os chefes de família estavam ficando incomodados com todos os pedidos e solicitações. Quando viam um monge, eles se viravam e iam embora, fechavam a porta. Como a história narra, as vezes de noite eles viam uma vaca vindo à distância, pensando que fosse um monge, eles iam embora. As coisas chegaram à esse ponto.

Então Buda reuniu os monges e contou uma série de histórias sobre como as pessoas não gostam de ser importunadas daquela maneira. Uma história é sobre dois eremitas, um irmão mais velho e outro mais novo, morando próximo à um rio. Uma naga, uma naga muito bonita, saía do rio todo dia e se expunha para o irmão mais novo. Isso assustou o irmão mais novo, já que ele não sabia quais eram as intenções da naga, e quem sabe o que ela poderia tentar fazer com ele. Então ele foi ao irmão mais velho e perguntou para ele, "O que posso fazer para impedir que essa naga apareça?" Então o irmão mais velho disse, "A naga tem alguma coisa de valor?" O irmão mais novo respondeu, "Sim, ela tem uma linda joia no peito." Então o irmão mais velho disse, "Bem, na próxima vez que você ver a naga, peça pela joia."

Assim, no próximo dia a naga veio e enquanto ela estava em frente ao jovem eremita, ele pediu pela jóia. Então a naga foi embora. No dia seguinte, a naga estava a meio caminho entre o rio e a caverna do eremita, o eremita pediu pela joia. Então a naga foi embora. E o terceiro dia, logo em que a naga saía do rio, o jovem eremita pedia pela joia, e a naga disse, "Está bem, chega. Eu não vou voltar. Você está pedindo demais." E então, claro, depois da naga parar de voltar, o irmão mais novo sentiu falta dela. Era um tanto inusitado ver a naga em sua meditação daquela forma. Mas àquela altura, ele já tinha feito ela ir embora.

Quando generosidade é apresentada como parte de um discurso contendo pedidos inconvenientes — isso é o que esses "dana talks" são; são inconvenientes — não é realmente bem-vindo. Como resultado, esquecemos do significado de generosidade, e perdemos muito dos outros aspectos da prática também, porque a prática tem que começar com generosidade. Generosidade não é simplesmente uma questão de doar objetos. Você aprende à como doar o seu tempo, doar sua energia, doar seu conhecimento, e dessa maneira você muda todo o seu relacionamento com o mundo à sua volta. Você não é apenas um ser que está comendo e comendo e consumindo coisas e experiências. Você está descobrindo que tem coisas dentro de você que podem ser compartilhadas, coisas que podem ser doadas, e há um senso de fartura que vem acompanhado disso. Se tudo o que você esta pensando é consumir — "O que eu posso ganhar com isso? O que eu posso tirar daquilo?" — você é pobre. Não importa o quanto você tem, você é pobre — porque você sempre estará em falta. Mas se você abordar cada situação com a pergunta, "O que eu posso doar?" você está vindo de uma posição de fartura. E você descobre ter reservas de energia e conhecimento que podem ser compartilhadas, e em compartilhar, você ganha muito em retorno, muito com mais valor.

Ambos, generosidade e renúncia são formas de negócio. Há uma passagem em que um monge diz, "Eu vou negociar o que é suscetível à morte por aquilo que é imortal. Vou trocar o que é limitado por aquilo que não tem amarras." Você está negociando. Você não pode obter o que há de melhor sem abrir mão de algo de menor valor. Quando você entende isso, você percebe que o que quer que seja que você esteja fazendo na prática, é melhor adotar uma atitude de "O que eu posso doar". Se você não tem objetos materiais para doar, que tal o seu tempo? que tal sua energias, seu conhecimento, suas qualificações? Quando você está lidando com outras pessoas, a pergunta não é tanto, "O quanto eles estão me entretendo?" ou "O que posso obter deles?" e sim: "O que posso doar? O que posso doar para a situação?" Há ocasiões, por exemplo, em que há muita tensão no ambiente. Você pode gerar alguma paz? você pode gerar alguma humor? Algo para tornar o ambiente melhor.

Virtude também é um presente. Como Buda disse, quando você decide não ferir ninguém em nenhuma circunstância — não matar, não roubar, não fazer sexo ilícito, não mentir, não ingerir intoxicantes — Você está concedendo proteção irrestrita à todos os seres. Em outras palavras, no mínimo, da sua parte, eles não tem nada a temer. Quando você os concede proteção irrestrita, você também ganha uma parcela daquela proteção. Portanto, virtude também é um presente.

Meditação é um presente. Você tem que dar a sua energia, você tem que dar a sua atenção, para desenvolver mindfulness. Quando você está focado na respiração, é bom esquecer qualquer outra coisa. Apenas pense em você imergindo completamente na respiração e no corpo. A recompensa é que você desenvolve uma experiência de pleno frescor e bem-estar. Se alguma parte sua estiver hesitando, então essa parte não está doando, não está ganhando nada de real valor.

Então tente ir para a prática com uma atitude resoluta em doar. No fim das contas, você estará abrindo mão da sua ganância, aversão e delusão, abrindo mão até mesmo do seu ego ou de seus vários egos. Primeiro você abre mão dos egos que são inábeis enquanto desenvolve aqueles que são hábeis, mas depois que você praticou com tanto afinco para desenvolver aqueles que são hábeis, Buda diz que você tem que abrir mão deles também, por seu bem-estar e felicidade à longo prazo. Há uma recompensa que vem por abrir mão.

Você está sempre negociando — mas você não pode negociar se não começar a abrir mão desde o início. De outra forma, se você está apenas no modo de consumo, significa que está apenas subsistindo dos seus mesmos ganhos de sempre.

Um dos mais proeminentes discípulos de Buda era uma mulher chamada Visakha, cujo apelido era "A mãe de Migara". Não era porque ela tinha um filho chamado Migara. Seu pai era chamado Migara. A razão pela qual ela era chamada de sua mãe era porque ela viu que ele estava apenas subsistindo de seus antigos méritos. Ele estava apenas em modo de consumo o tempo todo, e ela fez ele perceber isso. Visakha aprendeu o Dhamma através de Buda e então ensinou seu pai, "Você está vivendo apenas dos seus antigos méritos e se não gerar frutos novos, vai ficar sem". Aquele foi o ensinamento que o convenceu à mudar. Por ela ter sido sua mentora, foi chamada de sua mãe. Ela o tinha presenteado com o Dhamma.

Se lembre, estamos aqui para irmos além de nós mesmos, ir além de ser apenas seres que consomem o tempo todo. Tentamos nos redefinir, não pelo que comemos ou possuímos ou o que consumimos, mas pelo o que produzimos, o que podemos doar. Prover essa mudança na mente faz toda diferença. Momentos difíceis podem aparecer na meditação e a pergunta não é, "Por quê isso está tão ruim? Isso significa que sou um meditador ruim?", e sim, "Não, o que eu posso dar para essa situação não virar uma bola de neve? Que recursos ainda tenho? Do que posso fazer uso para mudar essa situação?" Quando as coisas estão indo bem, novamente, do que você abre mão para ter certeza que a situação continue bem? Não fica apenas sentado lá usufruindo do prazer e êxtase. Você zela por eles. Você da sua energia para protegê-los — Dessa forma você fica cada vez mais habituado à doar, quando você finalmente tem uma amostra do incondicional, ao invés de tentar mantê-lo ou obtê-lo, o que incute uma divisão entre você e a experiência, você desiste de qualquer apego que possa surgir. Dessa forma você atinge o incondicional.

Assim, em abrir mão você não está sendo deixado à deriva. você está abandonando coisas de menor valor para ter coisas de maior valor. Mas lembre-se, a única forma de negociar é estando disposto à abrir mão de algo primeiro. De outra forma, não há troca.